Ao
final da tarde desta quinta-feira, 9, Francisco encerrou o II Encontro Mundial
dos Movimentos Populares, evento realizado em Santa Cruz de la Sierra, na
Bolívia, desde o dia 7. Em seu maior discurso desde o início da viagem pela
América-Latina, o papa denunciou a ambição desenfreada pelo dinheiro, as novas
formas de colonialismo e as agressões ao meio ambiente.
Com representantes
oriundos não só da América-Latina, mas também dos Estados Unidos, Canadá,
Itália e de alguns países africanos, os temas do encontro foram três “T”: teto,
terra e trabalho. Segundo o pontífice, os temas são direitos sagrados pelos
quais vale a pena lutar e propôs três grandes tarefas aos movimentos populares.
Necessidade de mudanças
Papa Francisco esclareceu
que os problemas têm uma “matriz global” e, portanto, dizem respeito à toda a
humanidade, falando sobre a necessidade de mudanças. “Queremos uma mudança nas
nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade mais próxima;
mas uma mudança que toque também o mundo inteiro, porque hoje a
interdependência global requer respostas globais para os problemas locais. A
globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve
substituir esta globalização da exclusão e da indiferença”, disse.
Segundo ele, as diversas
formas de exclusão não são questões isoladas, mas “têm um elo invisível” que as
une, fruto de um sistema impositor da lógica do lucro a qualquer custo, o que
torna a situação insuportável para pequenas comunidades, povos, camponeses,
entre outros.
O sofrimento dos povos e
até da Terra têm uma raiz na ambição desenfreada pelo dinheiro, relegando o bem
comum ao segundo plano, acredita o papa. “Quando o capital se torna um ídolo e
dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez do dinheiro domina todo o
sistema socioeconômico, arruína a sociedade, condena o homem, transforma-o em
escravo, destrói a fraternidade inter-humana, faz lutar povo contra povo e até,
como vemos, põe em risco esta nossa casa comum”, afirmou.
Dirigindo-se aos mais
humildes, explorados e excluídos, o papa reiterou que cada um pode fazer muito.
“Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas
vossas mãos, na vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas
criativas na busca diária dos “3 T” (trabalho, tecto, terra), e também na vossa
participação como protagonistas nos grandes processos de mudança nacionais,
regionais e mundiais. Não se acanhem!”, pediu.
“Vós, a partir dos
movimentos populares, assumem as tarefas comuns motivados pelo amor fraterno,
que se rebela contra a injustiça social”, falou Francisco ao abordar a emoção
comunitária que é incompreensível se analisada apenas com a razão. “Tem um plus
de sentido que só os povos entendem e que confere a sua mística particular aos
verdadeiros movimentos populares”.
Igreja
A fim de construir bases
sólidas, a partir da experiência e das necessidades reais, Francisco encorajou
os povos e suas organizações a construírem uma alternativa humana, com
criatividade. Ele destacou o trabalho da Igreja nesse sentido, “que não pode
ser alheia ao anúncio do Evangelho”.
“Muitos sacerdotes e
agentes pastorais realizam uma tarefa imensa acompanhando e promovendo os
excluídos em todo o mundo, ao lado de cooperativas, dando impulso a
empreendimentos, construindo casas, trabalhando abnegadamente nas áreas da
saúde, esporte e educação. Estou convencido de que a cooperação amistosa com os
movimentos populares pode robustecer estes esforços e fortalecer os processos
de mudança”, expressou.
O papa ainda pediu que os
fiéis carreguem a Virgem Maria no coração, pois ela é sinal de esperança “para
os povos que sofrem dores de parto até que brote a justiça”. Ele afirmou que
reza à Virgem do Carmo, padroeira da Bolívia, para que o Encontro seja fermento
de mudança.
Tarefas aos Movimentos
Para a mudança positiva na
qual acredita, Francisco propôs três tarefas que requerem a contribuição do
conjunto dos Movimentos Populares. A primeira delas é colocar a economia à
serviço dos povos, de modo que os seres humanos e a natureza não estejam a
serviço do dinheiro. “Digamos não a uma economia de exclusão e desigualdade,
onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia
exclui. Esta economia destrói a mãe Terra”, reiterou.
A proposta para a segunda
tarefa é “unir os povos no caminho da paz e da justiça”. Segundo o papa, os
povos querem que sua cultura, idioma, processos sociais e tradições religiosas
sejam respeitados e nenhum poder efetivamente constituído tem o direito de
privar os países pobres do pleno exercício da sua soberania e, “quando o fazem,
vemos novas formas de colonialismo que afetam seriamente as possibilidades de
paz e justiça”. Ele lembra que os povos latino-americanos sofreram para
conquistar sua independência política e desde então, há quase dois séculos
procuram conquistas uma independência plena.
“O colonialismo, novo e
velho, que reduz os países pobres a meros fornecedores de matérias-primas e mão
de obra barata, gera violência, miséria, emigrações forçadas e todos os males
que vêm juntos” explica.
A terceira tarefa é a
considerada a mais importante em ser assumida atualmente pelo papa e diz
respeito à defesa do planeta. “A casa comum de todos nós está a ser saqueada,
devastada, vexada impunemente. A covardia em defendê-la é um pecado grave...
Não se pode permitir que certos interesses – que são globais, mas não
universais – se imponham, submetendo Estados e organismos internacionais, e
continuem a destruir a criação”, exortou.
Francisco
também insistiu que os povos e seus movimentos são chamados a clamar,
mobilizar-se e exigir, de forma pacífica mas com firmeza, a adoção de medidas
urgentes. “Peço-vos, em nome de Deus, que defendais a mãe Terra. Sobre este
assunto, expressei-me devidamente na carta encíclica Laudato
si’”, pediu o pontífice.
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